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Todos os olhos em mim: dicas práticas para compliance durante e após um período de crise

April 27, 2020

Corinne A. Lammers & Bryan H. Parr

Versão brasileira por Bryan H. Parr, Gabriela Barreto Scanlon, João Victor Freitas, e Rafael Siqueira

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Diretores de compliance, advogados internos e outros gatekeepers corporativos sabem que, mesmo quando a economia está em expansão, a implementação de um robusto programa global de compliance anticorrupção é algo caro e complexo. Ao enfrentar uma pandemia global e previsões econômicas sombrias, essa ideia se torna ainda mais assustadora. Comentaristas e escritórios de advocacia—incluindo Paul Hastings—publicaram um número crescente de artigos e notas, alertando que não existe o argumento COVID-19 de defesa em caso de violação à lei, e que o enfraquecimento do compliance pode representar sérios riscos.

Se você é um diretor de compliance ou diretor jurídico, ou tem uma função de gatekeeper com responsabilidades de compliance (referida genericamente como “Compliance” neste artigo), pode sentir que todos os olhos estão voltados para você, especialmente neste momento de crise. Os líderes empresariais querem saber se o Compliance será um consultor e parceiro de confiança para navegar nesses tempos de incerteza ou apenas mais uma dor de cabeça burocrática. Mais do que nunca, os colaboradores buscam orientação para entender as expectativas e as prioridades conflitantes. À medida que a lista de expectativas parece aumentar, os dias—e em muitos casos, recursos e verbas—estão diminuindo.

Para complicar ainda mais, enquanto muitas localidades ou aspectos do seu negócio podem permanecer no modo de auge da crise, outros já começaram ou logo começarão a avançar para uma reabertura e voltar ao "normal". Não há soluções fáceis, mas aqui estão algumas perguntas a serem feitas e dicas a serem consideradas para navegar o caminho que se apresenta:

  1. Os melhores planos: talvez você já tenha sido solicitado a cortar pessoal e/ou orçamento. Mas mesmo se seus recursos permaneçam a 100%, viagens e reuniões pessoais devem ter sido muito reduzidas ou já são quase inexistentes. Agora seria importante dedicar algum tempo para reconsiderar seus planos estratégicos anuais, encontrar meios alternativos para atingir metas que julgue imprescindíveis, identificar novas prioridades e baixar a prioridade de temas menos críticos.

    1. Estratégias se adaptam: O seu plano estratégico anual de compliance ainda é adequado ao objetivo?

    2. A mensagem está adequada: Seu plano de comunicação interna ainda faz sentido, tematicamente e em meio a outros comunicados específicos relativos à COVID-19? Considere se sua mensagem pode se perder em meio ao "ruído" ou precisar ser reestruturada para ser captada pelas preocupações dos colaboradores.

    3. Aprimore: Alguns tópicos não têm mais a mesma relevância que antes? Alguns temas são óbvios (como eventos, viagens), mas revisar a lista com “novos olhos diante da crise” pode identificar outros tópicos para serem adiados, equipes para adicionar e vice-versa.

    4. O público certo: equipes diferentes assumiram papéis ou agora tem interações que justificam treinamentos ou lembretes adicionais ou específicos? Considere se o público original ainda é o público certo ao iniciar o treinamento e comunicados.

    5. Um público atento: a mensagem principal chegará ao público-alvo neste momento, usando este formato? Se sua empresa está prosperando e os colaboradores são essencialmente um público cativo, esse pode ser o momento ideal para iniciar um programa de treinamento on-line. Por outro lado, se o número de colaboradores tiver sido reduzido e se eles estiverem sobrecarregados e estressados, talvez você não queira iniciar um curso on-line complicado. Em vez disso, considere focar em comunicações curtas que lembrem aos funcionários os riscos de compliance mais críticos enfrentados por sua empresa hoje em dia, bem como recursos para obter ajuda

  2. A cultura importa: os responsáveis pelo compliance sabem que, por mais elegantes que sejam os portais da intranet ou mais sofisticados os módulos de treinamento on-line, a base de um programa de compliance forte é um compromisso básico e inabalável com a ética e a integridade. Garantir que essa mensagem seja claramente comunicada a todos é ainda mais crítico nestes tempos de incerteza.

    1. Tom no topo: O que líderes e diretores fizeram para transmitir e reiterar a importância de uma cultura ética, compliance e transparência? Abordagens ou formatos ordinários podem não transmitir a mensagem diante de novas prioridades concorrentes, realidades distintas ou em novos ambientes de trabalho.

    2. Gatekeepers no topo: O Compliance tem assento às mesas corretas? Muitas empresas estão tomando decisões críticas neste momento, desde cortar operações e pessoal até abrir novas linhas de negócios ou realizar aquisições de empresas e ativos. Decisões desse tipo frequentemente ocorrem de forma rápida, de modo que o Compliance precisa ter assento à mesa o quanto antes no processo de tomada de decisões. Você estará melhor posicionado para identificar e endereçar potenciais riscos de compliance se você receber aviso prévio, e essa também será uma oportunidade para que o Compliance se envolva como um conselheiro confiável de negócios.

    3. Movem-se os portões, mudam os guardiões: Os gatekeepers do Compliance foram afetados pelo trabalho remoto ou tiveram seus papéis alterados? Eles ainda podem servir como gatekeepers efetivos? Ha outros riscos que requerem gatekeepers? Mudanças no ambiente de trabalho merecem considerações. Mas isso pode ser uma questão relativamente menor se os riscos que os gatekeepers costumavam monitorar não mais existem, ou ainda se novas “portões” (ou seja, novos riscos) se abriram, requerendo, dessa forma, seus próprios guardiões, como discutido abaixo.

    4. Confie, mas fique de olho: Que evidências você tem para demonstrar as respostas da sua empresa a essas perguntas e a sua implementação? Como você pode demonstrar a eficácia das novas abordagens ou modificações feitas? Conforme você progrida na crise, assegure-se de que seu time e outros na empresa estão mantendo registro e evidênciass dos esforços e foco referentes ao compliance durante estes tempos (por exemplo, cópias de comunicados relacionados a compliance). Além disso, se o tempo e os recursos permitirem, verifique se as novas estratégias e abordagens são eficazes e têm alcançado suas finalidades (por exemplo, se os destinatários desses comunicados os entenderam e integraram as mensagens principais).

    5. Tom no meio: Você está confiante de que a cultura de compliance da sua empresa—no nível gerencial intermediário—é forte e segura? Você está seguro de que os líderes estão projetando o compromisso correto com o compliance para toda a empresa? Quando avaliar o tom no topo durante o período de crise, realize uma avaliação semelhante nas ações e atitudes do nível gerencial intermediário.

  3. Riscos mudam: O perfil de riscos da sua empresa mudou fundamentalmente ou a crise precipitou a materialização de riscos anteriormente analisados? Documente e avalie a mudança de riscos tanto quanto possível. Conduzir uma avaliação de riscos completa com base no modelo COSO pode não ser praticável durante a crise, mas documentar riscos novos ou concretizados pode se provar útil após o fato, particularmente quando eles mudam com tanta frequência que pode ser difícil recuperar com clareza os detalhes do cenário anterior.

    1. Novas linhas de negócios ou operações: Fabricantes de bebidas alcoólicas estão produzindo álcool em gel e a indústria automotiva está migrando para equipamentos médicos. Em reação à pandemia, muitas empresas iniciaram operações que são novas e distintas de seu negócio principal, o que provavelmente altera fundamentalmente seus perfis de riscos e cria riscos de compliance inteiramente novos ou diferentes.

    2. Eliminação de linhas de negócios: Outras empresas estão fechando estabelecimentos ou suspendendo certas linhas de negócios. O desligamento das principais operações, funções, ou equipes pode alterar os riscos, assim como reduzir as necessidades de recursos de compliance. Documentar as reduções e seu impacto torna-se sobremaneira importante no momento de realocar orçamentos, equipes ou planos e quando  for necessário  explicar essas mudanças em retrospecto.

    3. Terceiros: Rupturas em indústrias inteiras, em categorias de negócios e em grandes partes de muitas cadeias de suprimentos, podem significar que antigos parceiros e formas estabelecidas de trabalhar não mais existem ou tampouco operam de forma consistente com as expectativas da sua empresa. Seguir em frente com as substituições de parceiros pode significar outros desafios e riscos, especialmente se os parceiros substitutos são novos ou recém-estabelecidos no mercado, ou ainda se exercem funções ou interações de alto risco.

    4. Ordens governamentais ou planos de socorro: Quando ordenam produção ou requisitam plantas e fábricas em resposta à crise, a intervenção direta do Estado em negócios privados cria riscos que as empresas não teriam considerado em circunstâncias normais. Por outro lado, muitas empresas nunca consideraram aspectos relacionados a planos de socorro governamentais, muito menos os riscos de compliance deles decorrentes. Como os respectivos riscos de compliance foram mitigados e incorporados ao programa de compliance? Os times responsáveis por lidar com essas interações e processos tiveram treinamento adequado?

    5. Resposta fundamentada, considerando riscos novos e alterados: Documentar a avaliação de riscos da empresa, bem como a resposta e a fundamentação que embasam a escolha entre a Terrível Opção A e a Horrível Opção B, será útil não só para a posteridade e no planejamento subsequente de compliance, mas também para facilitar a comunicação efetiva com as equipes e stakeholders em um ambiente de trabalho remoto.

    6. Suporte documental na tomada de decisões: Quando a legislação e as orientações são alteradas na mesma frequência com que marcha a própria crise, obter orientações e análises jurídicas mais formais e por escrito acerca de questões críticas pode tornar-se uma prioridade maior do que planejado ou do que em tempos de normalidade.

  4. Saber quando e a quem chamar: As trocas de informaçõesdo Compliance para os colaboradores e vice-versaainda fluem sem problemas? Em ambos os contextos, durante a crise, ou quando houver mudanças significativas na organização, nos negócios ou nas atividades, saber a quem chamar é crucial para os colaboradores. E não é diferente para o Compliance, já que ter olhos e ouvidos em campo para detectar problemas se torna ainda mais vital em um contexto de crise.

    1. Dúvidas de compliance: Muitas empresas têm sistemas bem estabelecidos para que colaboradores contatem os gatekeepers no dia-a-dia para tirar dúvidas. No entanto, com as possíveis mudanças de pessoal ou de atribuições, combinadas com a migração para o trabalho remoto, lembrar os colaboradores sobre os gatekeepers e atualizar as informações de contato pode esforçar essa salvaguarda a continuar funcionando de forma efetiva.

    2. Canais de denúncia: Tanto em um contexto de crise ou quanto em momentos em que os negócios mudam ou se expandem de forma significativa, ter olhos e ouvidos em campo para detectar problemas se torna ainda mais crucial. Verifique se os canais de comunicação e denúncia estão funcionando em todos os lugares de forma adequada, e considere enviar comunicações internas lembrando a todos—e a equipes novas e diferentes em especial—sobre esses canais.

    3. Entrevistas de desligamento: As entrevistas de desligamento, ou seja com colaboradores no momento da saída da empresa, podem servir como instrumentos suplementares aos canais de denúncia, e também como forma de preservar o conhecimento institucional sobre riscos específicos de compliance ou pontos de atenção específicos às funções do empregado.

  5. Investigações: Certos tipos de investigação não têm mais a mesma urgência de antes ou, ao contrário, ganharam uma prioridade maior? Embora cada apuração mereça uma abordagem diferenciada, aspectos programáticos como triagem, prioridade e métodos investigativos podem requerer ajustes mais amplos. Se o Judiciário ou os reguladores tiveram suas atividades suspensas, ou os prazos e cronogramas foram alongados, talvez faça sentido reduzir a prioridade das respectivas investigações, enquanto outras, em função de sua conexão, ou do seu risco de percepção negativa relacionada com a crise devem ser alçadas ao topo da fila.

  6. Utilizar as armas que já fazem parte de seu arsenal: Você tem tecnologia à sua disposição para auxiliar no monitoramento das metas em tempos em que viajar não é possível? Se a sua empresa já investiu em tecnologia, considere a possibilidade de potencializar sua capacidade de monitorar o cumprimento de metas, especialmente enquanto o Compliance estiver impossibilitado viajar para encontrar os times operacionais presencialmente. Monitorar gastos, orçamento, excedentes, frequência de determinadas atividades e outros indicadores pode ser útil para identificar potenciais infratores ou pontos críticos.

  7. Encontrar um “novo normal”: Como estarão a companhia e a organização do Compliance em um futuro próximo? Enquanto algumas localidades ainda estão por atingir o pico da crise, outras estão reabrindo ou prestes a reabrir. Pressionar pelo retorno à normalidade em si pode envolver riscos ou agravar forças que são distintas da própria crise. O retorno aos moldes anteriores pode não fazer sentido ou não ser uma opção viável. Exercite um certo ceticismo quanto a forçar o novo normal e a realidade alterada na forma antiga de fazer as coisas por pura conveniência ou força do hábito.

Fazer uma pausa para refletir sobre as questões acima em um período de crise e convulsão social pode ser um importante passo para assegurar a efetividade e preservar a dinâmica do seu programa de compliance, em tempos em que todos os olhos estão—ou vão em breve estar—no Compliance. Essas questões também merecem ser revisitadas periodicamente e especialmente conforme se avance para o “novo normal” dado que as respostas podem mudar. Independentemente de como a sua empresa emergir deste período, este tipo de autorreflexão facilita digerir as lições aprendidas com este período e identificar as oportunidades para aperfeiçoar as operações do Compliance no futuro.

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Image: Corinne A. Lammers
Corinne A. Lammers

Partner, Litigation Department